Eu odeio o Natal, odeio canções natalinas, odeio tudo o que cerca a festa, inclusive a comilança, e, juro, costumo embalar nos braços de Morfeu antes das doze badaladas notúrnicas.
Por razões que eu desconheço, ganhei fama (e nada de fortuna), escrevendo um texto sobre o Natal. Dia desses, o promotor do Ministério Público do Paraná, Fuad Faraj (@fuadfaraj), então amargando exílio no Anibalistão, me confidencidou no twitter: "Eu também odeio o Natal". Era uma referência solidária (e tardia) ao tempo em que eu era colunista diário de um jornal e me vi esculachando a data. Creio, nos idos de 2007. No texto, havia um pouco de verdade, mas também muito de ficção.
Não sei por que cargas d´água, a coluna também mexeu com os calos de outra jornalista num bate-boca via internet. Desta não declino o nome porque não merece a papinha que come. De qualquer forma, se isto deixou curiosos todos os meus cinco leitores, reproduzo a coluna, mas com a ressalva de que é memória seletiva, sem compromisso com a realidade e muito menos com a aura alegro ma non treppo do 24 de dezembro. De fato, eu odeio o Natal, odeio canções natalinas, odeio tudo o que cerca a festa, inclusive a comilança, e, juro, costumo embalar nos braços de Morfeu antes das doze badaladas notúrnicas.
EU ODEIO O NATAL
Só criança até o limite dos sete anos gostei do Natal. E ainda assim por causa daquelas crenças bestas, rito de iniciação de qualquer um – raras exceções. Por sorte, meu pai estava sempre bêbado o suficiente para manter os familiares à distância. Nada que não ocorra em nove entre dez lares brasileiros. Se me lembro dos brinquedos ganhei uma aldeia indígena enquanto meu irmão ganhou um forte apache. Quem quer ser índio fadado a poucas vitórias e grandes massacres? E se não basta, imagine que quem está do outro lado, no comando da cavalaria, é um alguém quatro anos mais velho com tendências piromaníacas. Meus índios contrariaram a história e morreram queimados na fogueira da Inquisição. Torquemada ali era fichinha.
Aos nove anos ganhei a primeira cueca de minha avó materna – sim, porque até ali este era um adereço dispensável. E nunca mais deixei de ganhar cuecas. Vinha o Natal e eu sabia que aquela pequena caixinha, debaixo daquela árvore tosca enfeitada com algodão de farmácia, guardava a cueca anual reservada para o neto remelento. Eu queria um Estrelão – um campo de futebol de botão – vinha uma cueca. Eu queria uma bicicleta Monark, das mais baratinhas, vinha uma cueca. Nas poucas variações havia também um par de meias, mas a cueca era infalível.
Quando fiquei convencido que meu destino estava selado, passei a dispensar o ritual de abertura de presentes e pular para a próxima etapa que consistia na miserabilidade da ceia natalina. Ou resumindo: arroz com passas, maionese e um naco de alguma coisa esquisita boiando na gordura. Para acompanhar um copo de Coca-Cola Família (unzinho só) e a sobremesa dos deuses, manjar de maisena.
Eram nove horas da noite, pouco mais, e nós já havíamos completado o ciclo. Meu pai dormia alquebrado na poltrona de pano puído com a companheira ao lado – a garrafa – e a fumaça do cigarro, que jazia mal apagado no cinzeiro, fazia desenhos sinuosos por entre suas pernas.
Era o instante então que os católicos da casa viravam católicos e se dirigiam à hipocrisia anual na igreja do bairro, a tempo de voltar e assistir na TV, em dose dupla de devoção, à Missa do Galo rezada por Sua Santidade o Papa Paulo VI.
Com sorte, a essa hora, se o meu pai não acordasse com suficiente estardalhaço para a última dose da noite ou a primeira do dia seguinte, eu já estaria dormindo vestindo a velha cueca do ano passado e devidamente preparado, em corpo e espírito, para a cueca do novo ano.
por Marcus Vinicius Gomes, sexta, 24 de dezembro de 2010 às 09:40.
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