Requião Filho em entrevista ao PLURAL revela: “Precisamos retomar políticas que favoreçam quem põe comida na mesa, senão daqui a pouco vamos ter que importar tudo de São Paulo”
“Candigato” foi a alcunha que ele recebeu de alguns sites de fofoca quando, tentando sua reeleição, apareceu na mídia nacional como novidade. Aqui no Paraná, no entanto, Maurício, ou melhor Requião Filho, não era um político recém-chegado naquele ponto, já disputava seu segundo mandato na Assembleia. Filho de um dos políticos mais eleitos e notórios do estado, agora já no seu terceiro mandato, virou líder da oposição no novo partido, o PT, e com seu estilo de mandato combativo, vem tomando a tribuna para discursos contundentes contra o governo. Chamei-o para um bom chope para saber o que esperar da atuação da oposição pelos próximos quatro anos naquilo que interessa ao nosso setor: produção de insumos e comércio. Foram horas de conversa, e os principais pontos, você lê na coluna de hoje.
“Eu vou fazer muito pouca coisa diferente do meu pai. Porém, ainda acho que ele tenha mais paciência que eu para algumas coisas. Há soluções na minha cabeça que são um pouco diferentes das dele, pela maneira em que elas seriam implementadas. Não são objetivos diferentes, mas maneiras de chegar no mesmo lugar. Isso se deve ao fato do Requião ser de 1941 e eu de 1979. São soluções de problemas a partir de prismas de sociedades diferentes. Os problemas ainda são os mesmos, mas a gente busca a maneira de chegar nas soluções de outra maneira, essa é a grande diferença entre nós”, diz o político.
Um assunto antigo e também uma das principais críticas de Requião Filho ao governo do estado, é o foco dado ao agronegócio em detrimento do pequeno produtor. “A gente precisa retomar políticas públicas que atendam o agricultor que produz comida. O pequeno está fora completamente do planejamento público. Um exemplo que podemos citar é o programa de irrigação noturna que deixava a gente entregar energia mais barata para quem fazia irrigação durante a noite. Esse programa acabou com o Ratinho, ou seja, o pequeno paga muito mais caro para manter uma pequena horta, uma estufa. Isso também impacta em granjas de frango, de porco, fazendo com que a produção local tenha um custo mais alto. Enquanto isso, tá lá o Ratinho prometendo desconto e super crédito para grandes negócios. Precisamos retomar políticas que favoreçam quem põe comida na mesa, senão daqui a pouco vamos ter que importar tudo de São Paulo”, completa.
Segundo Requião Filho, na onda de seu guru, o ex-presidente da República Jair Bolsonaro, Ratinho Jr promoveu um desmonte às infraestruturas que atendiam o pequeno agricultor e produtor, movendo seu foco inteiramente para o grande agro, dos commodities, e as grandes indústrias que vieram se instalar aqui. “Emater, Iapar, a própria Secretária do Meio Ambiente, a Força Verde, tudo isso foi desmembrado ou descontinuado. Se a gente não atender ao pequeno, como vamos querer que ele tenha acesso a uma tecnologia nova, busque uma pesquisa nova, um produto novo? Isso tudo custa dinheiro. Se você tem o estado apoiando, você tem melhor produção. O governo hoje, para levar energia pro homem do campo, cobra e nós não cobrávamos. A gente fazia a linha de graça até a pequena propriedade. No governo Ratinho, a Copel cobra tudo. Nós trabalhávamos com o pequeno agricultor, com a agricultura familiar, com quem produz comida. A gente desenvolveu uma semente de feijão que produzia muito mais do que a normal, sem veneno. Hoje em dia, essa pesquisa pública, não existe. Só existe apoio para quem planta commodity e a gente precisa mudar. O Paraná é um estado estratégico: é perto de São Paulo, temos portos bons, estamos perto de Santa Catarina, temos saída para dois outros países. Os grandes vêm para cá porque eles têm que vir para cá. Estrategicamente é necessário que eles venham para cá. De repente estamos abrindo as pernas para essa galera e quebrando a local”, conclui.
Quando perguntei sobre as práticas do agro, sendo mais específico, sobre as políticas de morte perpetradas pelo último governo nacional, no que se refere ao uso indiscriminado de agrotóxicos, o líder da oposição foi cauteloso. Lembrei a ele sobre a iniciativa da capital catarinense que quer instituir um cinturão de produção orgânica em torno da cidade de Florianópolis. “Há de se fazer um estudo de impacto econômico e de viabilidade. Curitiba já tem no seu entorno um século de tradição de produção hortifrutigranjeira. Temos que entender a dificuldade econômica da coisa, portanto há de ser gradativo a aplicação de algo assim. Temos que trazer o discurso para a realidade. Vamos proibir de jogar agrotóxico 100 km ao redor de Curitiba? De repente, você pode inviabilizar o comércio local, tornando mais caros alguns produtos. Temos que entender o que já está estabelecido e buscar aos poucos ir trocando, principalmente o tipo e quantidade de venenos utilizados. Agora, para isso, tínhamos que ter o estado como um todo assessorando os produtores, junto aos laboratórios, as faculdades públicas e federais, fazendo pesquisa, para que tivéssemos um produto que usasse menos veneno e produzisse mais”, conta o deputado.
No entanto, a necessidade de um estudo para a aplicação de um programa que nos livrasse dos venenos que nos estão matando, não seria o maior entrave, de acordo com o deputado. Em consonância com a depressão argumentativa em que estamos mergulhados, catalisada pelas misérias políticas dos últimos anos, esperar qualidade do legislador, aparentemente, se tornou tarefa hercúlea. “O entrave é o quão rasa é a discussão na Assembleia. A gente não vai conseguir falar de venenos: a discussão vai virar Lula versus Bolsonaro, esquerda versus direita. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, a gente está discutindo produção de alimentos. O Governador e a visão de alguns deputados, que não se aprofundam, constituem essa barreira para a discussão. Se você é contra agrotóxicos, logo dizem que você é contra o agro, se você é de esquerda, você é a favor da invasão de terras produtivas. A gente não consegue sequer mostrar que, tanto para o mercado interno quanto para o externo, o produto sem veneno tem um valor agregado maior. Isso não interessa ao pessoal que tá plantando commodity, o lobby é muito forte. Se você diz isso, não entramos numa discussão de saúde pública, entramos nessa discussão sobre a disputa entre esquerda e direita”, explica Maurício.
Sobre o que poderia justificar a grande aceitação do governo do Ratinho, Requião Filho é taxativo, “As pessoas votam no Ratinho por conta da propaganda, por falta de conhecimento. Por exemplo, o Ratinho e seu governo criaram a ST, a substituição tributária: pagamento antecipado do ICMS sobre o estoque que você compra, pagando um valor atribuído ao seu produto. Você está pagando imposto antes mesmo de você vender. O pequeno tem que jogar isso no seu preço, e estando no regime do Simples Nacional, ele não pode ter crédito tributário. Não tendo crédito tributário, seu produto fica mais caro e ele não consegue concorrer com os grandes. Nós tínhamos uma faixa de isenção, que era a maior faixa de isenção de ICMS pro pequeno empresário do Brasil. Essa faixa está congelada há quase uma década, e o ICMS do Paraná hoje é o mais alto do Brasil. Então aumentou-se o ICMS sem aumentar a faixa de isenção, sufocando a pequena empresa, e, infelizmente, ela vê nos jornais, na internet, ouve nos rádios que está tudo uma maravilha e que a culpa é da esquerda voltar, que o PT vai quebrar todo mundo. Porém, foi um governo progressista no Paraná, o do Requião, que criou a maior isenção do Brasil, buscou incentivar a pequena empresa com tarifa de água, de luz e deu benefícios fiscais pro pequeno. O nosso problema é ter tido a narrativa corrompida. O poder de mídia deles é muito maior que o nosso, então não conseguimos entrar no imaginário popular. O cara não consegue entender que ele é a ovelha votando no lobo, acha que o lobo tá protegendo ele”, conclui.
Aliás, o deputado tem suas próprias teorias sobre a falta de permeabilidade do discurso de esquerda, “A esquerda precisa melhorar a comunicação. Ela gosta de falar que é intelectual, que cuida do trabalhador, que cuida do interesse do povo e não fala mais com o povo. Como que a gente explica isso? A esquerda fala e é ignorada. Não é nem incompreendida, é absolutamente ignorada. Porque o discurso tá muito longe do trabalhador, do agricultor. Esse povo não se vê mais na esquerda. Eles não se sentem representados, não se enxergam nesse discurso elitista intelectualizado da esquerda. Com isso, alguns mitos foram criados: esquerda que come criancinha, o comunismo, o MST invade terra produtiva e mata boi, não é assim. Aqui em Curitiba, se você perguntar quem é o MST, vão achar que é um maluco com uma foice, uma escopeta, um ladrão que vai invadir um terreno no Ecoville. Nós precisamos quebrar esses mitos. A esquerda precisa conversar com as pessoas. Ninguém vai discutir outros temas enquanto estiver de barriga vazia”, completa o líder da oposição.
Sobre a eleição de Lula, Requião Filho se mantém cauteloso e cobra que o governo Lula se mantenha fiel ao seu discurso de campanha. Ainda assim, o deputado acha que o governo vai ficar aquém de certas expectativas, categorizando-o como um governo de transição. Porém, sobram críticas aos próximos quatro anos de Ratinho Jr, “Temos um governador que está querendo fazer a sua imagem se contrapondo ao governo federal, como um novo Bolsonaro. Aliás, o QI do governador é próximo ao QI do Bolsonaro, então vamos ter dificuldades na área do desenvolvimento regional para quem é pequeno. Ele vai se preocupar com grandes números e números que ele possa vender, não necessariamente com o pequeno empresário e produtor. Eles querem dizer que eles atraíram indústrias pro Paraná, e vão dizer que trouxeram a grande indústria x, a grande indústria y, enquanto as pequenas indústrias vão estar fechando por falta de competitividade no mercado nacional. É aquela propaganda de refrigerante do nosso tempo: imagem é tudo, sede não é nada. Esses vão ser os próximos quatro anos no Paraná. Vai ser um cabo de guerra entre esse possível governo federal e esse governo do Paraná, da fake news, da propaganda”, taxa o deputado.
É interessante pensar que tanto Requião Filho quanto Ratinho Jr. sejam de origens tão similares, ambos herdeiros de capital político construídos por seus pais, que fizeram suas carreiras a partir de um envolvimento popular, um na comunicação, outro na política. E apesar da idade similar, as diferenças param por aí. O filho do ex-governador, tem na ponta da língua o que faria se ele fosse o mandatário, no lugar de sua nêmesis, “O crédito hoje no Brasil é muito caro. Não há um subsídio de crédito para quem gera emprego. 7 em cada 10 empregos no Brasil são gerados por micro e pequenas empresas, no Paraná, apenas 2% do ICMS vem dessas pequenas empresas, o Paraná poderia abrir mão desse ICMS sem sofrer um grande impacto, mantendo empregos e se recusa a fazer isso. Se pegarmos as médias empresas, chegaríamos por volta de 6% do ICMS, e 80% do emprego, ou seja, tem que ter crédito subsidiado, fazer um fomento de verdade, zerar tributos onde for possível”, promete o líder da oposição..
Com seus quase dois metros de altura, o deputado não passa despercebido com facilidade e está deixando claro que tão pouco não o fará politicamente. Muito ao estilo Requião, o Filho traz para mesa reflexões importantes sobre os rumos da política esquerdista/progressista do Paraná. Críticas abertas às suas lideranças e questionamento dogmático à forma com que a esquerda conduz sua comunicação de massa, não são situações que a tradição lulopetista esteja acostumada a lidar de dentro de suas trincheiras, mas, não deixam de ser, não só pertinentes como necessárias ao crescimento de qualquer projeto político que deseje se sustentar por um longo tempo. Certo ou errado, dentre amigos e inimigos, o mandato deste novo líder que emerge, está dando o que falar…
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