Decreto considerado inconstitucional é usado para dificultar acesso de crianças com deficiência ao ensino regular
Decreto considerado inconstitucional é usado para dificultar acesso de crianças com deficiência ao ensino regular
O decreto 10.502 foi publicado em setembro de 2020 e instituiu a Política Nacional de Educação Especial. Só que desde dezembro daquele ano o decreto está suspenso por determinação do STF. Modelo proposto provocaria discriminação e segregação entre os alunos, e não inclusão.
Um decreto do governo que o STF considerou inconstitucional está sendo usado para dificultar a matrícula de crianças com deficiência em escolas do ensino regular.
As imagens falam, Laura está integrada às aulas, está feliz. Ela tem síndrome de down e o convívio com os amigos na escola regular foi fundamental no desenvolvimento da menina de 8 anos, mas isso quase não aconteceu.
“Nos foi sugerido que procurássemos uma classe especial, uma escola especial. Insatisfeita com isso, eu busquei a Federação Paranaense e a Brasileira das Associações de Síndrome de Down, a FEPASD e FBASD, e fizemos um manifesto que foi encaminhado aos setores da prefeitura municipal, onde a Secretaria Municipal de Educação respondeu citando o decreto. O decreto 10.502, ele tem sido utilizado indiscriminadamente para se recusar matrículas tanto na rede pública quanto na rede privada de pessoas com deficiência”, conta Liége Margot Schmidt, mãe da Laura.
O decreto 10.502 que a escola usou como base para recusar a matrícula é do governo federal, foi publicado em setembro de 2020 e instituiu a Política Nacional de Educação Especial. Só que desde dezembro daquele ano o decreto está suspenso por determinação do Supremo Tribunal Federal.
A decisão é liminar. Foi considerado inconstitucional, questionado por entidades da sociedade civil, porque o modelo proposto provocaria discriminação e segregação entre os alunos, e não inclusão. O que viola o direito à educação inclusiva.
Mesmo assim, dois meses depois da suspensão pelo STF, o secretário executivo do Ministério da Educação, que atualmente é o ministro, chegou a fazer uma live para defender o decreto.
“As escolas estão tendo que contratar profissionais especializados para ficar cuidando daquela criança, para ela não atrapalhar a aula dos demais alunos e aquela criança não está tendo o atendimento especializado que ela precisa”, afirmou o ministro da Educação, Victor Godoy Veiga.
O site do Ministério da Educação continua até o momento mantendo o material didático, como uma cartilha, com orientações para municípios e estados sobre a implementação da política que está suspensa. Foi com essas informações que a escola de Foz do Iguaçu, no Paraná, negou a matrícula da Laura no começo deste ano.
“Uma Política Nacional de Educação especial não deveria ser fruto de um decreto presidencial, porque o Brasil tem uma Constituição federal, que assegura os direitos das pessoas com deficiência, uma lei brasileira de inclusão e o Brasil é signatário da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência que aqui tem status de emenda constitucional”, explica a diretora de educação, Raquel Franzim.
Dados do Censo escolar mostram que, pela primeira vez em 11 anos, o número de matrículas de alunos em escolas especiais públicas e particulares, de ensino infantil e fundamental, voltou a aumentar em 2021.
Organizações e entidades brasileiras ligadas à educação denunciam que as políticas públicas defendidas pelo MEC, hoje, estimulam que crianças especiais sejam matriculadas em escolas especiais e não nas regulares. Não só por causa do decreto. Uma outra forma seria o corte de investimentos na educação inclusiva pelo governo federal.
Relatório da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados revela que o Programa Escola Acessível, por exemplo, cumpriu apenas 12% da meta entre os anos de 2019 e 2021. Mesmo depois do auge da pandemia, os investimentos não aumentaram.
“Em 2021 não houve pagamento da dotação orçamentária autorizada nem de restos a pagar de anos anteriores. Falando em palavras mais simples: o governo federal investiu zero em materiais didáticos ou acessíveis para a inclusão em 2021. Não dar condições orçamentárias para política acontecer é uma estratégia de promoção do decreto”, aponta a coordenadora de advocacia, Luiza Andrade Corrêa.
A mãe da Laura brigou muito para filha estudar numa escola comum. Ela teve apoio de entidades que defendem a educação inclusiva e, ainda assim, só conseguiu a matrícula quando uma nova diretoria assumiu o colégio e garantiu o direito que deveria ser de todos.
“A pessoa com deficiência ela ainda não é vista, ainda não é entendida como parte da diversidade humana. A deficiência faz parte da diversidade. Existem pessoas que são brancas, que são negras, que são idosas, que são jovens e pessoas com deficiência, pessoas sem deficiência e que elas devem estar juntas em todos os espaços, serem e estarem como são”, diz Liége.
A prefeitura de Foz do Iguaçu afirma que o processo de matrícula de Laura demorou porque a escola precisou se adequar às necessidades dela e diz que a mudança na direção da unidade não teve relação com esse processo.
O Ministério da Educação não respondeu os questionamentos do Jornal Nacional.
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