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Fantasmas da Assembléia podem ter "trabalhado" na Câmara Municipal de Curitiba no mesmo período

Documentos obtidos com exclusividade pela Gazeta do Povo revelam que o escândalo dos Diários Secretos, que assolou a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) no ano passado, respinga na Câmara Municipal de Curitiba. Pelo menos quatro funcionários da Assembleia – um deles operador do esquema de desvio de dinheiro dos Diários Secretos – foram nomeados ao mesmo tempo para cargos em comissão no Legislativo da capital, em períodos entre 1997 e 2006. Isso é proibido pela Constituição Federal.
O Ministério Público do Paraná (MP) já está investigando o caso e tem indícios de outra grave irregularidade, a de que os funcionários eram fantasmas da Câmara e, em três casos, também da Assembleia – o que permitia desvio de dinheiro público nas duas Casas.

O acúmulo de dois ou mais cargos públicos é vedado pela Constituição, que abre exceção somente para professores e servidores da área da saúde – o que não é o caso dos quatro servidores.
Os promotores do MP já solicitaram uma série de documentos para o presidente da Câmara, vereador João Cláudio Derosso (PSDB). A Gazeta do Povo apurou que a documentação enviada pelo Legislativo municipal ao MP traz indícios de desvio de recursos públicos que podem ultrapassar R$ 400 mil somente com a contratação de um dos quatro servidores que são alvo da investigação. Se corrigido, o montante sob suspeita chega a quase R$ 900 mil.
Se comprovadas as irregularidades, os promotores podem ajuizar uma ação de improbidade administrativa contra Derosso, responsável, como presidente da Câmara, pelas contratações dos supostos servidores fantasmas. As possíveis penas são pagamento de multa, devolução de dinheiro aos cofres públicos e até mesmo a cassação do mandato do tucano. Derosso é presidente da Câmara desde 1997, quando começaram as contratações suspeitas.
A investigação do MP está concentrada na contratação de João Leal de Mattos, que é funcionário efetivo da Assembleia e é acusado pelo MP de participar do esquema dos Diários Secretos, que desviou mais de R$ 200 milhões dos cofres públicos do Legislativo. No ano passado, ele chegou a ser preso por causa dessas denúncias.
Apesar do vínculo empregatício de mais de 24 anos com a Assembleia, os diários oficiais do município revelam que Mattos foi contratado em 1.º de janeiro de 1997 para trabalhar no gabinete do ex-vereador Éde Abib (PSDB), irmão do ex-diretor-geral da Assembleia Abib Miguel, o Bibinho, denunciado à Justiça sob a acusação de liderar o esquema dos Diários Secretos.
Ainda de acordo com os diários oficiais do município, Mattos permaneceu como servidor da Câmara até o fim de 2004, quando Éde Abib não conseguiu a reeleição. A partir daí, o vínculo de Mattos passou a ser com Derosso. Documento obtido pela reportagem (veja infográfico) mostra que o próprio Derosso indicou Mattos, em 1.º de janeiro de 2005, para trabalhar como consultor no Legislativo de Curitiba, por meio do gabinete da presidência da Câmara. Ele deixou a Câmara definitivamente em dezembro de 2006. No período em que foi servidor do Legislativo municipal, Mattos recebeu os R$ 400 mil que, atualizados, podem chegar a quase R$ 900 mil.
Próximo de Bibinho
A proximidade de João Leal de Mattos com Bibinho pode ser comprovada pelo endereço dele que consta em sua ficha funcional na Câmara de Vereadores: o mesmo onde Abib Miguel mantinha uma coleção de carros antigos.
Em depoimento aos promotores no ano passado por causa dos Diários Secretos, Mattos disse conhecer Bibinho há muitos anos e, quando questionado sobre a atividade profissional, não mencionou em nenhum momento o cargo na Câmara, informando apenas que “trabalha na Assembleia há 24 anos, ocupando o cargo de auxiliar administrativo”. E, questionado se tem outra atividade rentável, o servidor afirmou “que faz várias outras coisas, sem especificar a atividade”. Ele ainda disse ao MP que cumpria horário na Assembleia das 8h30 às 17 horas.
Esse depoimento levantou a suspeita de que Mattos seria fantasma na Câmara, pela incompatibilidade de horários de trabalho (o MP não denunciou ele por ser fantasma na Assembleia, mas por operar o esquema dos Diários Se­­­cre­­­tos). Familiares de Mattos corroboraram a suspeita de que ele não dava expediente no Legislativo de Curitiba ao dizerem aos promotores, em depoimento, que ele só trabalhou na Assembleia – sem nenhuma menção, novamente, à Câmara. “A declarante afirma que seu marido João [Leal de Mattos] só trabalha na Assembleia”, diz um trecho do depoimento de Iara Ro­­­sane da Silva Mattos, mulher dele.
Iara é outra integrante do grupo de quatro servidores que aparece como funcionária da Assembleia e da Câmara ao mesmo tempo. Ela foi contratada no Legislativo municipal no mesmo dia em que o marido – também designada para o gabinete de Éde Abib. Nesse período, ela já recebia salários da Assembleia. Pelos diários do município, Iara foi exonerada do cargo na Câmara em 2000. Mas, de acordo com a denúncia criminal feita pelo MP, há registros de depósitos bancários feitos pela Assembleia na conta de Iara desde 1995 – o que comprova o acúmulo de cargo entre as duas casas legislativas. Denúncia do MP referente ao caso dos Diários Secretos indica ainda que Iara era servidora fantasma da Assembleia.
A Gazeta do Povo procurou Mattos e Iara, por telefone. A filha do casal, Priscila Mattos, foi quem atendeu. Ela informou que não podia localizá-los. Mas disse à reportagem desconhecer que os dois tenham trabalhado na Câ­­­mara.

Legislativo Municipal
Casa é alvo de duas investigações
A Câmara de Curitiba é alvo neste momento de duas investigações abertas pelo Ministério Público Estadual para apurar supostas irregularidades. O acúmulo de cargos de servidores da Assembleia na Câmara e a possibilidade de eles serem fantasmas vêm sendo investigados desde junho. A investigação foi aberta depois que auditores do MP detectaram pagamento de salários das duas Casas Legislativas nas contas bancárias em nome do servidor João Leal de Mattos.
A segunda investigação, mais recente, foi aberta no último dia 19. E apura supostas ilegalidades nos contratos de publicidade firmados pela Câmara de Curitiba com empresas de comunicação, no valor de R$ 30 milhões por 5 anos. Reportagem da Gazeta do Povo revelou que uma das agências que venceram a licitação é a Oficina da Notícia, cuja dona é a jornalista Cláudia Queiroz Guedes, mulher do presidente João Cláudio Derosso (PSDB). Durante o processo licitatório, Cláudia era funcionária comissionada da Câmara – o que vedado pela Lei de Licitações.
O Tribunal de Contas de Estado (TC), que também investiga os contratos publicitários, apontou 16 irregularidades envolvendo a licitação de publicidade da Câmara. 


MP acusa servidor por desvio de R$ 13 milhões
O funcionário efetivo da Assembleia Legislativa João Leal de Mattos foi preso e denunciado pelo Ministério Público no ano passado sob a acusação de envolvimento na quadrilha que desviou pelo menos R$ 200 milhões dos cofres do Legislativo estadual por meio do esquema dos Diários Secretos, revelado em uma série de reportagens da Gazeta do Povo e da RPC TV.
Investigação do MP concluiu que Mattos tinha a função de cooptar familiares para contratá-los para a Assembleia e usá-los como laranjas para o desvio de dinheiro. Na denúncia, os promotores relatam que, por meio do núcleo familiar de Mattos, foram desviados pouco mais de R$ 13 milhões da Assembleia.
Mattos teria obtido documentos pessoais de oito parentes – entre elas o da irmã Jermina e da sobrinha Vanilda Leal, ambas agricultoras de Cerro Azul, na região metropolitana de Curitiba. Pelas contas bancárias das duas, a Assembleia depositou salários que ultrapassavam R$ 30 mil mensais – dinheiro que Jermina e Vanilda disseram nunca ter visto. As duas sobreviviam com o dinheiro do programa federal Bolsa Família.
O MP começou a investigar os funcionários fantasmas da Assembleia depois que a Gazeta do Povo e a RPC TV divulgaram uma série de reportagens com irregularidades no Legislativo. Duas operações policiais foram desencadeadas pelo MP, resultando na prisão de mais de 20 pessoas, entre elas a de Bibinho.
Depois das prisões preventivas – já revogadas –, os promotores ajuizaram ações civis e criminais contra os envolvidos com as irregularidades – entre eles os deputados estaduais e ex-presidentes da Assembleia Nelson Justus (DEM) e Hermas Brandão; e os ex-primeiros secretários Alexandre Curi (PMDB) e Nereu Moura (PMDB). O MP ainda investiga as denúncias na Assembleia. 

Via Gazeta do Povo

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