A proposta de emenda à Constituição foi encaminhada à Câmara pelo governo Bolsonaro e altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa
Considerando que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), apresentou na segunda-feira (22) um calendário de votações na Casa no primeiro trimestre e que dentre as propostas a serem votadas até o fim de março estão a reforma administrativa, as propostas de emenda à Constituição (PECs) Emergencial e do Pacto Federativo e o Orçamento com a previsão de desvinculação de receitas; o advogado Gilmar Cardoso promoveu uma análise técnica e jurídica sobre a PEC da Reforma Administrativa.
Gilmar Cardoso avalia a PEC 32/2020 que muda regras para futuros servidores e altera organização da administração pública. Segundo o advogado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20, do Poder Executivo, altera dispositivos sobre servidores e empregados públicos e modifica a organização da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Chamada pelo governo de PEC da Nova Administração Pública, a proposta altera 27 trechos da Constituição e introduz 87 novos, sendo quatro artigos inteiros. As principais medidas tratam da contratação, da remuneração e do desligamento de pessoal, válidas somente para quem ingressar no setor público após a aprovação das mudanças, destaca Gilmar Cardoso.
Conforme descreve o advogado, a reforma administrativa, já encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, teria sua tramitação iniciada no colegiado em março. A comissão analisa apenas a admissibilidade do texto. A proposta de emenda à Constituição enviada em setembro de 2020 pelo governo federal (PEC 32/20) restringe a estabilidade no serviço público e cria cinco tipos de vínculos com o Estado. As mudanças só valerão para os novos servidores.
Principal mudança do texto acaba com a estabilidade para várias categorias do serviço público. Mas governo determinou que regras só valerão para futuros funcionários, que ingressarem após a promulgação da PEC.
Para Gilmar Cardoso, o texto é considerado complexo e delicado, já que a proposta atinge diretamente os novos servidores públicos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, estados e municípios.
A reforma administrativa (PEC 32/2020) é considerada pela equipe econômica do governo federal um passo fundamental para o equilíbrio das contas públicas do Brasil nas próximas décadas, mas é apontada por entidades sindicais como um retrocesso na prestação dos serviços públicos e como retirada de direitos consagrados para milhões de funcionários, disse.
O governo federal garante que a proposta de reforma administrativa tem por objetivo estabelecer a meritocracia e igualdade no serviço público, além de ajustar a economia brasileira e oferecer um serviço de qualidade ao público.
No entanto, futuros servidores e até mesmo os servidores públicos têm diversas dúvidas sobre o que de fato seriam as alterações propostas pelo texto e, principalmente, a quem ela deverá realmente atingir.
A PEC da Nova Administração Pública traz dispositivos autoaplicáveis relacionados à governança. Uma das mudanças amplia atribuições do presidente da República para alterações na administração e nos órgãos do Poder Executivo por meio de decreto – atualmente é necessário projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional.
Um dos pontos mais polêmicos da PEC retira a estabilidade de grande parte dos novos servidores públicos, restringindo a segurança no emprego apenas a carreiras típicas de Estado – que ainda serão detalhadas em projeto de lei complementar, em discussão no ministério.
As formas de ingresso no serviço público serão os concursos e as seleções simplificadas, estas para vagas por tempo determinado. Só será efetivado no cargo quem, depois de aprovado no concurso, alcançar resultados em avaliações de desempenho e de aptidão durante período de experiência obrigatório como fase final do certame.
Estabilidade e avaliação de desempenho
Atualmente, a Constituição prevê, em seu artigo 41, algumas possibilidades para que o servidor público estável perca o cargo como em caso de sentença judicial transitada em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso), mediante processo administrativo com ampla defesa assegurada ou mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, também com ampla defesa assegurada.
No entanto, a PEC 32/20 prevê que o servidor possa perder seu cargo a partir de uma decisão proferida por órgão judicial colegiado, quando ainda cabe recurso. Essa alteração representa um gravíssimo retrocesso para os servidores, visto que atualmente a perda do cargo só pode ocorrer após o trânsito em julgado do processo. Isso significa que os atuais servidores poderão ser destituídos do cargo por uma primeira decisão judicial, mesmo sendo alto o número de julgamentos favoráveis aos servidores nas últimas instâncias, que servem justamente para corrigir injustiças de decisões colegiadas anteriores.
Vedação a direitos e garantias já existentes
Uma série de direitos já consolidados como férias, adicionais por tempo de serviço, licenças, redução de jornada sem redução de salário, adicional ou indenização por substituição, progressão ou promoção baseada em tempo de serviço, entre outras, podem ser vedados com a PEC 32/20. Isso porque o texto excetua essas vedações “na hipótese de haver lei específica vigente em 1º de setembro de 2020 que tenha concedido os benefícios ali referidos, exceto se houver alteração ou revogação da referida lei”.
Normas gerais
A lei complementar federal também passará a dispor de temas como gestão de pessoas, política remuneratória e de benefícios, ocupação de cargos de liderança e assessoramento, progressões e promoções funcionais, entre outros.
Isso significa que, enquanto esta lei complementar não for editada, estados e municípios exercem competência plena para suas especificidades, afetando os atuais servidores na medida em que qualquer direito ou garantia concedida por lei estadual, distrital ou municipal será suspensa caso contrarie o que dispuser a lei federal.
Cargos de liderança e assessoramento
A regra atual prevê que as funções de confiança sejam destinadas exclusivamente aos servidores efetivos e que os cargos em comissão sejam em parte preenchidos pelos servidores públicos e em parte por trabalhadores que não sejam funcionários públicos. Já a proposta prevê que os cargos em comissão e as funções de confiança serão progressivamente substituídos pelos cargos de liderança e assessoramento.
A nomeação desses cargos se dará através de ato do Chefe de cada Poder em cada ente (União, Estados, DF e Municípios), que disporá sobre os critérios mínimos de acesso e de exoneração. Serão destinados a atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas, sem fazer distinção entre aqueles cargos que poderão ser ocupados apenas por funcionários públicos, selecionados via concurso. Isso diminui as possibilidades de que os servidores venham a ocupar cargos estratégicos dentro da administração pública.
A proposta também acaba com benefícios que são destinados aos servidores públicos, como as licenças-prêmio e aposentadorias compulsórias, e as progressões funcionais baseadas exclusivamente no tempo de serviço.
As regras mais rígidas, no entanto, não afetam militares, juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores, deputados e senadores. Essas categorias foram poupadas da reforma apresentada pelo governo federal e não terão qualquer mudança em suas regras de ingresso e benefícios.
Gilmar Cardoso destaca também que a PEC 32/2020 acrescenta novos princípios para o funcionamento da Administração Pública.: imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, subsidiariedade e boa governança pública. A Constituição atualmente inclui cinco princípios, que serão mantidos no novo texto: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, concluiu o advogado.
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