Celebrado em 6 de agosto, o Dia do Senhor Bom Jesus é uma das mais belas expressões da piedade popular católica, especialmente enraizada em diversas regiões do Brasil. A devoção ao Bom Jesus — representação de Cristo sofredor, coroado de espinhos e cheio de misericórdia — une comunidades, fortalece a fé do povo simples e revela, por meio de símbolos e celebrações, a profunda verdade do amor de Deus que se doa até o fim por nossa salvação.
A data é a Festa da Transfiguração do Senhor, estabelecida oficialmente pela Igreja, o que cria uma belíssima tensão simbólica e espiritual: o Cristo glorioso do Monte Tabor é o mesmo Cristo sofredor do Calvário. No Bom Jesus encontramos este paradoxo: aquele que, aos olhos humanos, foi desfigurado pela dor, é o mesmo que, aos olhos da fé, se revela glorioso, vitorioso sobre a morte, nosso Salvador e Senhor.
A devoção ao Senhor Bom Jesus tem origens antigas, com forte expressão em Portugal e Espanha, chegando ao Brasil pelos missionários e colonizadores. No Brasil, ela se enraizou de forma viva em diversas localidades. Destacam-se os santuários do Bom Jesus de Iguape (SP), Bom Jesus da Lapa (BA), Bom Jesus de Pirapora (SP), Senhor Bom Jesus do Itacy, na Diocese da Campanha (MG), Bom Jesus da Cana Verde, em Siqueira Campos (PR) e tantos outros que, ano após ano, reúnem milhares de peregrinos que caminham para agradecer, suplicar ou simplesmente contemplar o mistério de Deus encarnado na dor do crucificado.
As expressões populares da fé — procissões, romarias, missas campais, ex-votos — são testemunho da força com que o Cristo crucificado toca o coração humano. O povo se vê ali representado: pobre, machucado, cansado, mas ainda de pé, sustentado pela fé.
As leituras litúrgicas do dia — especialmente no Ano C, na Festa da Transfiguração no dia 6 de agosto — nos ajudam a compreender o mistério que envolve o Senhor Bom Jesus. Em Lucas 9,28b-36, Jesus sobe ao monte com Pedro, João e Tiago e ali é transfigurado diante deles. Seu rosto resplandece, suas vestes se tornam brancas, e Moisés e Elias aparecem em glória, conversando com Ele “sobre a sua partida, que ia se consumar em Jerusalém”. A glória de Cristo se manifesta não para evitar a cruz, mas para fortalecê-lo no caminho até ela.
É justamente isso que o povo compreende, ainda que intuitivamente, ao rezar diante da imagem do Bom Jesus: Ele é o Deus da glória que passou pela dor. É o Senhor que nos compreende, pois também experimentou sofrimento, abandono, agonia. A voz que ecoa no Monte Tabor — “Este é o meu Filho, o escolhido. Escutai o que ele diz!” — nos convida a seguir Jesus em todas as circunstâncias da vida, com confiança.
Na primeira leitura, uma das opções é de Daniel 7,8-10.13-14, temos a imagem do Filho do Homem recebendo domínio eterno diante do Ancião. Esse mesmo “Filho do Homem” é Jesus, glorificado após ter se oferecido como servo sofredor. A outra opção é da 2ª Carta de São Pedro 1,16-19, que recorda o episódio da Transfiguração como prova da majestade de Cristo, testemunhada pelos apóstolos. São textos que se complementam e nos revelam: a paixão de Jesus não é derrota, mas parte do caminho que conduz à glória.
Celebrar o Bom Jesus é recordar que o amor de Deus vai até o extremo. Como disse São Paulo: “Cristo nos amou e se entregou por nós” (Ef 5,2). Diante da imagem do Bom Jesus, somos convidados a não fugir da cruz, mas a encará-la com esperança, sabendo que Cristo caminha conosco. A dor tem sentido quando unida à d’Ele. A salvação não é escapismo, mas redenção.
Mais ainda: a devoção ao Bom Jesus nos ensina a olhar com compaixão para os que sofrem. Ao contemplar o rosto ferido de Cristo, aprendemos a ver os crucificados de hoje: os pobres, os doentes, os abandonados, os encarcerados, os enlutados. O Senhor Bom Jesus continua presente neles.
Em tempos de tantas dores e divisões, o Dia do Senhor Bom Jesus é um convite à unidade na fé, à compaixão ativa e à confiança no Cristo que venceu a morte. Que nossas comunidades renovem sua devoção ao Bom Jesus, não como expressão folclórica, mas como encontro com o verdadeiro rosto de Deus: um rosto que chora, que sangra, que se entrega — e, por isso mesmo, que salva e transforma.
Seja nos grandes santuários, seja em capelas humildes no interior do Brasil, o Senhor Bom Jesus continua acolhendo seus filhos. Que cada um de nós possa dizer com o salmista: “O Senhor é Rei! Exulte a terra de alegria!” (Sl 96/97,1).
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