Estava traduzindo mais uma fábula de Fedro (Os Cães Famintos) e deparei-me com a seguinte sentença: “Um plano estúpido não só carece de efeito, mas também arrasta os mortais à desgraça”; e Fedro nessa fábula demonstra a estupidez de dois ou mais cães famintos que, ao verem um pedaço de couro boiando no meio do rio, traçam o plano de sorver toda a água, até que o rio se esvazie e eles alcancem o que tanto desejam para saciar a fome. Evidente que os cães famintos morrem no final da história, nessa louca tentativa de tomar a água de um rio inteiro.
Ora, vamos trazer essa alegoria de Fedro para nossos dias e compará-la com a greve da APP-Sindicato, que parece ter optado por sorver a água do rio para atingir seu objetivo, o qual não é mais o salário em si, mas desgastar ao máximo o governo endemoniado na figura do governador tucano Beto Richa, patente nas palavras de ordem que pedem o seu impeachment.
Infelizmente, os dirigentes da APP ignoram uma coisa que os operários ingleses aprenderam já no início da Revolução Industrial: tão difícil quanto entrar em greve, é manter ou sair de uma greve, ainda mais quando a greve deixa sua pauta reivindicatória salarial e parte para a inconsequente greve política, por irresponsabilidade e debilidade de avaliação. Uma greve para derrubar governos, quaisquer governos, tem que ser, no mínimo, geral e de todos os trabalhadores. De resto, é insanidade apenas.
A APP foi feliz ao convocar a greve, duas por sinal, e mais feliz ainda ao obter durante o movimento a reação estúpida do Estado, conhecida como o “massacre do Centro Cívico”, um erro primário que deve custar ainda muito capital político para o governador Beto Richa, secretários de Estado e deputados da base aliada do governo. A partir desse momento, como era de se esperar, o movimento paredista ganhou músculos e agregou a si a volúvel opinião pública, informada por uma mídia que também se encontrava descontente com os nacos de verbas públicas de publicidade, que não estavam chegando como deveriam chegar fartamente a suas tesourarias.
Profundamente entusiasmada, a direção da APP resolveu prolongar a greve, crente que lutava contra uma máquina enfraquecida, porém desconsiderando essa máquina ainda era governo, com amplo apoio na Assembleia Legislativa e decisões favoráveis do Poder Judiciário e que, a volúvel opinião pública poderia se esquecer rapidamente do massacre e começar a pensar nas consequências de uma greve tão prolongada. De repente, alguém lembrou que a greve obrigaria um ano letivo que se estenderia até 2016; alguém lembrou dos vestibulandos que têm prova do Enem já marcadas para outubro e mais algumas no fim deste ano; outros lembraram que seus filhos estavam condenados ao ócio improdutivo em casa, com a perspectiva de ter os conteúdos repostos nas coxas, em calendários apressados e horários de aula reduzidos. Alguém lembrou que essas horas paradas poderiam ser descontadas e reduzir ainda mais o salário. Resultado, boa parte das escolas já funcionam, algumas na totalidade, outras parcialmente.
Ou seja, a greve tende a ser esvaziada por fadiga dos grevistas à medida que o tempo passa e o governo retoma o controle de si e da opinião pública. Nessas condições, o tempo não é o melhor aliado da greve, posto que, os interesses dos professores, dos alunos e dos pais são difusos. Se por um momento, durante a repercussão negativa do massacre, a APP contou com o apoio da opinião pública, agora já não conta mais, pois ela comporta-se como o vento, sopra para o lado que lhe convém e arrasta os incautos que desconsideram esse detalhe próprio dos confrontos reivindicatórios laborais.
Os dois cães famintos estão na beira do rio, o governo e a APP, e sofrerá menos aquele que souber desistir no momento exato do plano que julgavam inteligente. Ao ceder numa proposta salarial acima do que oferecia, embora parcelada, o governo parece ter desistido de sorver a água, confiante que está no revés da opinião pública. Agora resta a APP, caso o governo não volte a fazer bobagens, saber a hora de parar e negociar enquanto ainda tem forças.
Fernando Nandé
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